domingo, 19 de janeiro de 2014

Lei não obriga pais a matricular criança aos quatro anos na escola




Matrícula escolar obrigatória aos quatro anos: inconstitucionalidade

Ricardo Feitosa Vasconcelos


A matrícula obrigatória de crianças em pré-escolas não tem respaldo no Direito Natural, nos Direitos Humanos e ou no Direito Constitucional. Não temos notícia de qualquer outro país, desenvolvido ou não, que tenha adotado tal imposição.
Resumo:A obrigatoriedade da educação escolar para crianças a partir dos quatro anos de idade, positivada pela Lei federal nº 12.793/13 mediante alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996), refere-se apenas à obrigação do governo de fornecer o serviço. A matrícula nessa idade não é obrigatória para as famílias, segundo melhor leitura do Direito Natural, dos Direitos Humanos e do Direito Constitucional (princípios gerais e princípios da educação nacional), de modo que o artigo 208, inciso I, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 59/09, deve ser interpretado nesse sentido, e, por consequência, a atual redação do artigo 6º da LDB, que prevê tal obrigatoriedade, é inconstitucional. Considerado o restrito porte de pesquisa deste trabalho, não há notícia de qualquer outro país, desenvolvido ou não, que tenha adotado tal obrigatoriedade.

***
1. NÚCLEO INTOCÁVEL DE DIREITO NATURAL. NÚCLEOS CONSTITUCIONAL E DE DIREITOS HUMANOS.
O Poder Constituinte Originário de 1988, ao estruturar as linhas-mestras da educação nacional, dedicou-lhe uma Seção que compreende do artigo 205 ao 214, inserida no Título VIII, "Da Ordem Social", cuja afinidade de temas abrange, dentre outros, o Capítulo VII, "Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso".

Nos termos do artigo 205, a “educação” (conceito amplo) é “direito de todos e dever do Estado e da família”, como é intuitivo num estado que se pretende democrático e de direito.

Já o “ensino” (conceito restrito, contido no de educação), será ministrado com base em princípios, dentre os quais: “II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” e “III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas [...]” (artigo 206).

À “família”, por sua vez, coube o seguinte:

– “Art. 226 [caput]. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

– Na redação originária do caput do artigo 227, “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito [...] à educação, ao lazer, [...] e à convivência familiar e comunitária [...]”. A Emenda Constitucional nº 65/2010 não alterou a substância desse caput, limitando-se a adicionar o “jovem” às garantias descritas.

– “Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores [...].”

Essa formulação constitucional não surpreende, na medida em que decorre de um núcleo intocável de Direito Natural; sendo inegável, mesmo sob o aspecto positivado, que decorre (também) de um núcleo de Direitos Humanos, a começar da própria Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU–1948):

– “Artigo 12º. Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família [...]”;

– “Artigo 16º. [...] 3. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado.”

– “Artigo 26º. [...] 1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. [...]. 3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos.” [Grifo nosso.][2]

No mesmo sentido, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos - PIDCP, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 592/92:

– “Artigo 18. [...] 4. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais — e, quando for o caso, dos tutores legais — de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções.” (Grifo nosso.)

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 591/92:

– “Artigo 10. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem que: 1. Deve-se conceder à família, que é o elemento natural e fundamental da sociedade, as mais amplas proteção e assistência possíveis, especialmente para a sua constituição e enquanto ela for responsável pela pela criação e educação dos filhos. [...]”;

– “Artigo 13. [...] 2. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de assegurar o pleno exercício desse direito: a) A educação primaria deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos; [...] 1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores legais de escolher para seus filhos escolas distintas daquelas criadas pelas autoridades públicas, sempre que atendam aos padrões mínimos de ensino prescritos ou aprovados pelo Estado, e de fazer com que seus filhos venham a receber educação religiosa ou moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.” [Grifo nosso.] 2. Nenhuma das disposições do presente artigo poderá ser interpretada no sentido de restringir a liberdade de indivíduos e de entidades de criar e dirigir instituições de ensino, desde que respeitados os princípios enunciados no parágrafo 1 do presente artigo e que essas instituições observem os padrões mínimos prescritos pelo Estado.”.

Cabe destacar, em especial nesta última norma, a não-fixação de uma idade mínima obrigatória; a primazia conferida à família nos critérios educacionais; e o não-cerceamento à livre iniciativa no campo educacional, o que implica dizer que a criança não pode ser obrigada à educação em estabelecimento público.

Também a Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 99.710/90, estabelece o seguinte:

– “Artigo 5. Os Estados Partes respeitarão as responsabilidades, os direitos e os deveres dos pais ou, onde for o caso, dos membros da família ampliada ou da comunidade, conforme determinem os costumes locais, dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis, de proporcionar à criança instrução e orientação adequadas e acordes com a evolução de sua capacidade no exercício dos direitos reconhecidos na presente convenção.”

– “Artigo 18. 1. Os Estados Partes envidarão os seus melhores esforços a fim de assegurar o reconhecimento do princípio de que ambos os pais têm obrigações comuns com relação à educação e ao desenvolvimento da criança. Caberá aos pais ou, quando for o caso, aos representantes legais, a responsabilidade primordial pela educação e pelo desenvolvimento da criança. Sua preocupação fundamental visará ao interesse maior da criança. 2. A fim de garantir e promover os direitos enunciados na presente convenção, os Estados Partes prestarão assistência adequada aos pais e aos representantes legais para o desempenho de suas funções no que tange à educação da criança e assegurarão a criação de instituições, instalações e serviços para o cuidado das crianças. 3. Os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas a fim de que as crianças cujos pais trabalhem tenham direito a beneficiar-se dos serviços de assistência social e creches a que fazem jus.”

O mesmo diploma, em especial o artigo 28, não estabelece qualquer idade mínima para a matrícula no ensino.

Por brevidade, cabe registrar que no Sistema Interamericano de Direitos Humanos também há previsões semelhantes.

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Um grande risco de uma proposta pedagógica para a educação infantil é o de “institucionalizar” a infância, regulá-la em excesso. Outro risco é o de torná-la um campo onde reine a espontaneidade, que pode camuflar formas sutis de dominação, tornando menos visíveis os critérios de excelência socialmente valorizados.

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