quarta-feira, 16 de abril de 2014

O dever de cuidar, dos pais, está muito além da simples contribuição financeira.


O afeto na relação parental visto como obrigação civil

3) Da afetividade na relação parental

A família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado (art. 226, CF/88). É indiscutível que a afetividade é essencial à construção da personalidade da criança, que somente poderá desenvolver de forma completa sua sociabilidade se tiver condições favoráveis de crescimento no convívio familiar. Por isso, ressaltamos aqui a importância da família para a sociedade em geral, compreendendo se tratar de uma sociedade natural por excelência.

De acordo com psicólogos, crianças vítimas de abandono afetivo podem se tornar agressivas, tristes e até mesmo sofrer com depressão. Os danos causados pela ausência de um dos membros da relação parental podem ser irreparáveis.

Pais e filhos devem conviver harmoniosamente para se garantir uma boa estrutura familiar para a criança, o que é fundamental para a sua evolução enquanto ser racional e social, indivíduo pensante útil à sociedade.

O abandono afetivo ocorre, na maioria das vezes, quando da separação conjugal em que um dos membros da relação parental se afasta de sua prole para evitar o contato desagradável e desarmonioso com seu antigo afeto.

Às vezes é necessário que se mantenha essa distância até mesmo para se evitar transtornos à criança envolvida na situação. No entanto, esses pais se esquecem que a relação conjugal em nada se assemelha com a relação parental, não se justificando o afastamento deles do convívio com seus filhos.

Tanto é, que a relação entre pais e filhos – esse vínculo afetivo de cunho extremamente natural e, portanto, inerente ao homem em qualquer circunstância – é inalienável, irrenunciável, intransmissível e de caráter essencialmente personalíssimo. Dessa forma, se pode ver a importância da família na construção do caráter do indivíduo, indispensável à sua localização enquanto pessoa.

Essa relação engloba o conceito mais amplo possível de família, compreendendo assim aquela unida pelos laços do matrimônio e por laços de consanguinidade e, mais do que isso, a instituição social formada por pessoas de interesse absolutamente afetivo. Nesse mesmo âmbito encontramos também os filhos adotivos, uma vez que o Direito Brasileiro não faz nenhuma distinção quanto a estes.

Podemos observar que, sendo a família uma instituição de tão grande importância, ela tem o dever inerente ao poder familiar de criar cidadãos cônscios. Para explicar melhor esse dever, nos valeremos das palavras de Washington Monteiro de Barros: “o pátrio poder é instituído no interesse dos filhos e da família, não em proveito dos genitores. Melhor se denominaria pátrio dever”. Assim, apesar do poder familiar garantir aos pais a autoridade sobre seus filhos, também impõe àqueles a responsabilidade por estes. No entanto, a “obrigação de afetividade” não se limita apenas aos filhos submetidos a esse instituto, mas a todos eles durante toda a sua vida, sejam eles maiores ou menores, consanguíneos ou afetivos.

Portanto, não deve haver discriminação entre os filhos, estando os pais obrigados a garantir-lhes de forma isonômica os direitos que lhes são inerentes, tão somente pela sua qualidade de filhos.
4. Dos direitos dos filhos
4.1. Da dignidade da pessoa humana

Sustentado sobre as bases do princípio da dignidade humana é que se ergue todo o ordenamento jurídico atual, o qual tem por Lei Maior a Constituição Federal de 1988. Nela o princípio está consagrado logo no artigo 1º, inciso III, compreendendo-se que o mesmo princípio é característica intrínseca ao Estado Democrático de Direito.

Nas palavras precisas de Alexandre de Moraes:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES, 2005, p. 128).

Percebe-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana é o princípio norteador do Direito Brasileiro, pilar central de nosso ordenamento jurídico. Não deve haver nenhuma objeção a esse princípio, sob pena de inconstitucionalidade.

Hoje, as decisões dos tribunais têm reiterado a importância desse princípio, baseando-se nele para solucionar os casos concretos levados à sua apreciação. É um princípio considerado inalienável e irrenunciável, e todos, mesmo o maior dos criminosos, são iguais em dignidade.
4.2. Das garantias legais

Para que possamos compreender melhor a localização dos direitos dos filhos em relação à omissão de seus ascendentes, exporemos a seguir alguns dispositivos asseguradores de sua dignidade.
4.2.1. Da Declaração dos Direitos da Criança (1959)

De início podemos citar a Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, que estabelece em seu princípio 2º:

PRINCÍPIO 2º

A criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade.

Na instituição de leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança.

Com isso, reiteramos aqui a necessidade do afeto e do convívio dos pais com os filhos, a fim de conceder-lhes o essencial ao seu desenvolvimento.

Um outro dispositivo da mencionada declaração chama muito a atenção para o que pretendemos demonstrar com relação à afetividade dos familiares. Nele, aparece expressamente a necessidade do afeto nas relações parentais:

PRINCÍPIO 6º

Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão.

Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não será apartada da mãe.

À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.

Pois bem, o que vemos aqui é a afirmação clara da importância e obrigatoriedade do afeto dos pais para com sua prole. Exatamente: isso nada mais é do que uma obrigação. Não se cogita aqui a possibilidade de que os pais estejam sempre presentes, mas sim, o dever deles de demonstrar seu amor e compreensão, a fim de educar seus filhos para que estes se tornem efetivamente pessoas de caráter e personalidade.

A Magna Carta de 1988 garante especial proteção à criança e ao adolescente, de acordo com o Capítulo VII. Observemos com primazia o disposto no artigo 227:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Há que se falar da legislação brasileira, em especial, o que diz respeito aos direitos da criança, já que é esta a mais prejudicada quando do abandono do qual estamos tratando.

Dessa forma, julgamos oportuna a apresentação do artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8069/90), o qual estabelece ser dever da família e do Estado assegurar à criança a garantia de seus direitos, como se pode apurar do que se segue:

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Portanto, é clara a necessidade do convívio, da presença dos pais na vida dos filhos durante o seu crescimento e conhecimento da sociedade na qual estão insertos.
5) Da responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo dos filhos

Os deveres dos pais em relação aos filhos podem ser encontrados em diversos dispositivos de nosso ordenamento jurídico, dentre eles os seguintes: artigos 227 e229 da Constituição Federal; artigos e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, como já referido; e artigos 1566, IV e 1634 do Código Civil.

Recentemente o STJ julgou possível a compensação por danos morais no caso de abandono afetivo, considerando que é obrigação dos pais promover a educação dos filhos, compreendendo-se nela a criação, compreensão, companhia e cuidado. Dessa forma, há uma separação entre o abandono material, previsto no ordenamento jurídico, e o abandono afetivo, que se trata da separação parental.

Há que se considerar, ainda, que esse abandono se configura como um ilícito civil previsto no ordenamento jurídico como omissão, já que os pais têm obrigação moral e legal de cuidar dos filhos (dever de cuidar).

Na decisão do STJ, no Recurso Especial n.º 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), a relatora do projeto, Ministra Nancy Adrighi, entendeu que os pais têm o dever de cuidar dos filhos. Nas palavras dela:

Sob esse aspecto, indiscutível o vínculo não apenas afetivo, mas também legal que une pais e filhos, sendo monótono o entendimento doutrinário de que, entre os deveres inerentes ao poder familiar, destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e educação dos filhos, vetores que, por óbvio, envolvem a necessária transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da criança.

A Ministra entendeu, também, que ao se afastar de sua filha, o pai está cometendo um ilícito civil: a omissão. O pai é omisso porque a lei lhe impõe a obrigação de cuidar da prole e, uma vez que este pai, mesmo cumprindo com a sua obrigação material (como a pensão, p. Ex.) se aparta de sua filha, ele está descumprindo o que reza a norma jurídica no que concerne à obrigação dos genitores.

É importante lembrar ainda que essas obrigações dizem respeito não somente aos pais biológicos, mas também aos adotivos, atentando-se para o Princípio da Isonomia.

Ante o exposto, compreende-se que o afeto não pode ser considerado como um acessório no dever de cuidar dos genitores, mas sim um elemento fundamental, de essencial relevância na criação e desenvolvimento de uma criança.

Ainda de acordo com a Ministra Relatora:

Essa percepção do cuidado como tendo valor jurídico já foi, inclusive, incorporada em nosso ordenamento jurídico, não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 daCF/88.

Nas palavras da ilustre Ministra, “aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”.

Essa decisão inovadora do STJ em muito contribuiu para uma nova interpretação da responsabilidade civil, tornando-se um marco histórico para o Direito de Família.
6. Conclusão

A responsabilidade sempre foi uma das características que mais marcaram o Direito, desde os seus primórdios. No entanto, com a evolução da sociedade novos conflitos surgiam, exigindo a adaptação do Direito ao caso concreto. Na atualidade, temos visto que um tema em especial, concernente à responsabilidade civil, tem ganhado grande repercussão e se tornado assunto central em muitas das discussões no âmbito do Direito de Família.

O que se pretende com essa discussão é analisar se realmente há possibilidade de se reconhecer o dano moral ocasionado pelo afastamento de um dos membros da relação parental e, no caso de um posicionamento positivo, identificar as hipóteses em que se poderia configurar uma compensação referente ao dano suportado.

Percebemos ante o exposto, que o vínculo existente entre os membros da relação parental possui características mais do que meramente afetuosas, mas sim um caráter de obrigação jurídica. Portanto, essa relação, para o Direito, se baseia em um dever legal. Esse dever é o dever de cuidar, que engloba uma série de compromissos dos pais para com seus filhos, dentre eles, o dever de afeto – talvez um dos mais importantes para uma relação familiar.

O dever de cuidar está muito além da simples contribuição financeira. Não se fala aqui em “dever de amar” (até porque o amor não é um dever, não pode ser cobrado e sua ausência jamais poderia ser compensada em hipótese alguma), mas se trata de um dever que têm os ascendentes de zelar pela integridade e dignidade de sua prole, tendo em vista que a construção da personalidade individual se dá pelo afeto, pela convivência social harmoniosa entre os integrantes da família.

Portanto, compreendemos que a família é uma instituição social a que o Estado deve assegurar especial proteção, pois é em seu seio que cresce e se alimenta a sociedade inteira.

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