domingo, 19 de janeiro de 2014

A família e Escola em parceria

E no capítulo sobre “A Parceria com a Família na Educação da Criança”:
Ricardo Feitosa Vasconcelos escreve:

Historicamente, a família tem sido considerada o ambiente ideal para o desenvolvimento e a educação de crianças pequenas. Essa é a posição de alguns sistemas educacionais, que sustentam que a responsabilidade da educação dos filhos, particularmente quando pequenos, é da família, e assumem um papel de meros substitutos dela, repetindo as metas embutidas nas práticas familiares.

Outros sistemas assumem uma perspectiva diferente e, por defenderem uma partilha de responsabilidades entre família e comunidade ou o Estado, tomam para si funções educativas específicas segundo diferentes argumentos: compensação de carências econômicas e/ou culturais, especificidade das aprendizagens escolares, liberação do indivíduo do peso de culturas particulares.

Hoje, a aproximação da instituição educativa com a família incita-nos a repensar a especificidade de ambas no desenvolvimento infantil. São ainda muitos os discursos sobre o tema que tratam a família de modo contraditório, considerando-a ora como um refúgio da criança, ora como uma ameaça ao seu pleno desenvolvimento. Em geral, tais discursos pouco levam em conta os fatores econômicos e sociais que presidem a organização familiar, a divisão de tarefas no lar, o tempo que cada membro da família pode dedicar à criança.

[...]

A cultura da violência (física ou simbólica) presente em muitas famílias [...], os abusos sexuais existentes em muitas delas, a diminuição da disponibilidade de tempo que os pais têm para ficar com os filhos, o conhecimento de casos de abandono da criança (desde não lhe trocar a fralda por muitas horas até trancá-la no quarto ou deixá-la por longo tempo vendo TV) arranham a imagem da família como ambiente protetor de sua prole. Não obstante isso, a família não pode ser destituída de seu papel de importante agência educativa dos filhos em proveito da creche ou pré-escola.

Infelizmente, tem-se observado que a corresponsabilidade educativa das famílias e da creche ou pré-escola orienta-se mais para recíprocas acusações do que por uma busca comum de soluções. As equipes das creches e pré-escolas, apesar de reconhecerem a importância do trabalho com a família, costumam considerá-la despreparada e menos competente que o professor, particularmente em se tratando de famílias de baixa renda ou famílias formadas por pais adolescentes. Os professores declaram-se insatisfeitos por aquilo que entendem ser ausências e descompromissos dos pais com os filhos. E se aborrecem quando os pais contestam o trabalho da instituição e buscam controlar o que é proposto a seus filhos.

[...]

Enquanto nos meios socioeconomicamente mais favorecidos a professora é vista pelos pais como uma concorrente educativa, nos meios sociais mais pobres os pais consideram o professor como uma figura de autoridade, alguém que sabe e controla a família. Em ambos os casos, os pais são considerados pelos professores como amadores em educação.

[...]

A defesa de certos enfoques científicos acerca das necessidades da criança é influenciada por uma perspectiva de classe social e ideológica. Por isso, alguns autores questionam o peso político dos discursos de especialistas e defendem uma definição negociada e evolutiva dos critérios de qualidade em educação infantil, visto que a tarefa de educar sempre implica representações e valores culturalmente definidos e incorporados à prática dos educadores.

[...]

O professor não tem um papel terapêutico em relação à criança e sua família, mas o de conhecedor da criança, de consultor, apoiador dos pais, um especialista que não compete com o papel deles. Ele deve possuir habilidades para lidar com as ansiedades da família e partilhar decisões e ações com ela. Se assim ocorrer, a família terá no professor alguém que lhe ajude a pensar sobre seu próprio filho e a se fortalecer como recurso privilegiado do desenvolvimento infantil.[9]

Outra obra pedagógica chega a constatação semelhante, no capítulo intitulado “O Trabalho com as Famílias”:


[...]

Por um lado, é importante perceber a maneira com que pais e professores estão relacionados às práticas autoritárias que são em geral adotadas pela maioria das escolas. Nesse sentido, pode-se mencionar, por exemplo, a culpabilização constante, feita pelas escolas, que costumam atribuir às famílias a responsabilidade pelos mais diversos problemas das crianças (de dificuldades afetivas até de aprendizagem), isentando-se, muitas vezes, de assumir o seu papel de ensinar. Essa prática é comum, seja na rede pública, seja na particular. [...]

Além disso, também os pais — em especial nas áreas urbanas, pela própria complexidade da vida nos grandes centros e pelas condições do seu contexto familiar — passam a exigir cada vez mais da própria escola. Isentando-se também de assumir seu papel, a família espera tudo (formação de hábitos, valores, saúde etc.) além ou em vez do ensino.

[...]

Finalmente, sabemos que o trabalho conjunto escola–famílias é um dos maiores desafios de uma proposta pedagógica, na medida em que reflete a problemática social mais ampla. De um lado, a população não sente como seu o espaço público, mas muito ao contrário, considera que a rua, a praça, a praia, o telefone ou a escola públicas “não são de ninguém”. De outro lado, as pessoas também não se sentem responsáveis pelas instituições particulares como uma escola, que, assim, “deve ser cuidada por seu dono específico”. Nesse sentido, é preciso compreender os fatores sociais e políticos que estão em jogo na relação escola–famílias, não acusando ou culpando os pais quando não participam da vida escolar e, simultaneamente, buscando as formas de aproximá-los da nossa proposta e de aproximarmo-nos de seus interesses.[10]

Nesta pequena incursão pedagógica, longe de esgotar o assunto, pretendeu-se simplesmente trazer à tona as complexidades da opção educacional doméstica e da interação família–escola, em face da questão jurídica ora debatida.
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